Mais um dia de sol, e aparentemente, apenas mais um dia. Não! Não mesmo. Não para fulano.

Nos meus primeiros dias atendendo à população em situação de rua em um órgão público em Salvador, eu conheci fulano.

Ele não tinha um olho. Sentou-se, contou sua história e me pediu ajuda. Eu estava com ofícios prontos para qualquer documentação que ele viesse a solicitar, tinha também um telefone fixo para agendar qualquer atendimento. Mas o que aquele homem realmente veio me pedir era muito mais do que isso: sua dignidade de volta.

Meu coração apertado, mãos trêmulas, tentando encontrar alguma forma de atendê-lo da melhor maneira possível — eram apenas mãos de estagiária. Mas, ainda assim, fiz o que pude.

Ele teve seu benefício negado pelo INSS. Tentei um recurso. Vi que ele tinha um processo em andamento, entrei em contato com o advogado, e a secretária disse que ele não estava. Perguntei sobre o processo de fulano, e ela me informou que estava sem acesso ao sistema. Insisti, perguntando o que o advogado alegou no processo. Ela me disse que ele pediu o benefício desde a data da solicitação, a continuação do benefício. E, claro, danos morais.

Perguntei o valor dos danos e ela alfinetou o meu ouvido pelo telefone: “Um salário.”

Um salário.

Por um olho, por uma vida, um salário pela dignidade daquele homem… Um salário?

Nossa constituição é pautada na dignidade humana, mas a dignidade humana é para humanos que já têm dignidade.

Fulano atualmente dorme em um albergue, enquanto seus pertences se deterioram à espera de uma oportunidade.

Queria emprego, mas como olhar para ele e dizer que só trabalha quem tem comprovante de residência?